domingo, 7 de novembro de 2010

quarta-feira, 17 de março de 2010

Prece: bilhete suicida


Foi por amor,juro que foi.
Em nome do pai,do filho,da Santíssima Trindade.
Das famílias,ilhas de perversidades e ternuras.
Das cidades,desertos de multidões acéfalas.
Por Jeová,Alá e tudo por demais sagrado e prosaico.
Por todas as palavras negadas,sublimadas,repetidas violências.
Pelo excesso de leis,imagens, informação e ruidos.
Pelos fascismos e todos os ismos que invadem meu corpo,
no creme dental,mal rompe a manhã.
Pela qualidade de vida,esguia,musculosa sem dores,odores,
e todos os fluidos e trocas de carbono.
Por Marx, Freud,Foucault, fuck all.
Pela ética dos mercados,pelos direitos do consumidor,
assumo o meu horror,a minha dor.
Estou de saco cheio,com as mãos vazias,
sem meu dicionário,no meio do deserto.
Não tenha medo,o deserto é morto.
Esqueci de morrer,fingindo sentido,fingindo inocência
Cansei de inventar,de jogar e rir sozinha de mim mesma.
Por isto, me mato.
Foi por amor,juro que foi.


foto Carolina Leslie

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

sabonete

Convívio.Quando lhes mostro os aleijões mentais,as deformidades antropológicas, a dor das vísceras inconformadas,resmungam slogans.

Existe a roupa apropriada, a frase de efeito,a piada pronta,o comentário erudito televisivo,a citação da moda,a receita da vez,o vinho que se harmoniza,o café cultivado a 1268 metros de altura,o chocolate 93% cacau,o chá de erva doce, o doce sem doce,o pó malhado,o crack na bolsa.

A indignação política, as conseqüências históricas,a filosofia de botequim,a sociologia da classe c,a psicanálise de novela e a mídia que tudo revela.

A desgraça da chuva,a palavra dos desabrigados,a insistência dos repórteres, a urgência da notícia,a negação da informação, a limpeza da propaganda.


Anúncio de sabonete,ao fundo Vivaldi,à frente deusa grega,vestindo C&A,calçando azálea,cabelos ao vento,escalando montanhas de neve,riachos transparentes,véus translúcidos,suaves como a brisa que beija e balança.

Balanço na rede meu corpo idealizado,livre da celulite,artrite,conjuntivite,alopecia, furunculose,dermatite seborréia,diarréia e síndrome de pânico.

Sou um catálogo,um glossário,uma bula, um folder dobrado centenas de vezes,um almanaque pré-moderno,um discurso cheio de gerúndios e pretéritos reincidentes,coincidentes, implícitos,ilícitos,intrépidos e serenos.

Aperto meu pulso,procuro as batidas, a pressão diastólica,distante,imperceptível..........já estou morta?Passei do ponto e ninguém me avisou.

ônibus


Como falar dessa complexidade. Qual o recorte,qual a voz dissonante que arrota goiabada com queijo?
Onde e por que estou nesta indigestão ácida temperada de noz moscada?O que fazer dos intestinos,dos orifícios e da boca oca e despressurizada pela respiração ofegante?
Pequenos trombos explodem na pele e desenham processos sanguineos incontroláveis . O fluxo da vida saindo pelos póros e outras extremidades, no final da linha.
No ponto final do ônibus,desembarcam os passageiros exaustos para qualquer reflexão. De dentro da metáfora,não se percebe os outros deslocamentos que ocorrem no percurso.
As palavras se movimentam com as pessoas na procura de um lugar substantivo. Imóvel, seguro. O ônibus atropela todos. 2010 o ano transporte coletivo.