terça-feira, 15 de dezembro de 2009

melancias

São tantos os contratempos.Os objetos quebrados e os fatos flutuando junto com as melancias e todos os detritos desta cidade. Fico pasma vendo o mundo na TV.Quem vê tanta notícia?
Vida saudável é com activirus, persistindo os sintomas, um médico deverá ser consultado,realize seus sonhos,apartamento de 50 metros quadrados com quatro suítes,deus foi muito bom comigo,pai soberano não falha,só Jesus salva,salvas-vidas são heróis das praias poluídas,mais branco,mais você,mais chuva,mais amigas do peito,estou colocando esses assuntos a nível de galera,se liga no papel com a natureza,só neve,a força divina,a verdade está na luz,amo muito tudo isso,sua festa vai dar o que falar,um toque de frescor na sua vida,canalize sua força positiva,filosofia do bem viver,múltipla ação,depilação sem dor,sem odor,sem grito, sem pêlo, pelo menor preço,menor energia,energia renovável,energia íntima,energia dos ventos,,moinhos de vento,próxima novela, próximo capítulo,próxima dieta,só melancia,só sementes e caldo magic,aí está o segredo de sua cozinha,no banheiro sempre livre, toma lá da cá, é feijão,é farofa,intestinos na contra mão,tudo na contra mão,na mão direita o controle remoto,na esquerda casseta e planeta. Intervalo,interdito,última notícia.......................apagou a lux ou não paguei a conta,não tenho sabonete? O que me falta senhor? O mundo acabou enfim.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

TV

Preciso voltar ao sapato. Sem o calçado fico manca e estes textos, desordenados. Depois de tantas digressões, tenho que segurar a minha história e informar ao leitor por onde estou andando. Talvez eu mesma não saiba,mas isso não importa, o que conta é que a história existe.Meu gancho narrativo é um insólito pé de sapato.Quem quiser saber mais,volte ao oceano Atlântico.Estou dando esta informação para não dizerem que não sou generosa com meus leitores. Exemplo:
Seu texto é fragmentado demais, tudo cabe nele.Fico perdida, catando o fio da meada. A história se esconde atrás de cada objeto e de repente brota de um sapato, ou de uma garrafa? Como assim? Pensa que pode sair por aí dando nome as coisas,tirando leite de pedra e nos assassinando com a navalha de Occan? (para quem não sabe do que se trata é só olhar no Google) Se é assim,também quero um nome,suplico-lhe me batize. Anônima.
Prezada Anônima, não é por falta de nome que você vai se perder no bestiário doméstico. Embora não pareça, a tarefa de nomear é muito complicada.É preciso estancar o sangue das palavras e fixá-las num ponto.Aí tem que rezar e tentar escapar, tanto do clichê, quanto da ambigüidade total. O paradoxo (deixar o leitor em cima do muro) é suportável até determinado momento.A ironia não pode ser piada pronta. As metáforas estão aí enlouquecidas atrás dos publicitários,dos políticos e da mídia de merda. A situação é desesperadora e ao mesmo tempo muito engraçada. Púrpura Alva, talvez seja o seu nome. Um abraço.

monstro


Morava no décimo terceiro andar.Sempre repetia os mesmos gestos: abrir a porta do elevador, apertar no número 13 e subir correndo pela escada.Ao chegar,abria a porta do elevador e respirava aliviado. Ele estava lá.
Depois de dez anos repetindo o mesmo ritual,resolveu enfrentar o monstro. Abriu arfando a porta do elevador e entrou correndo. Ele não estava lá.

domingo, 29 de novembro de 2009

orelha (texto extraído do livro MAUS escritores)

Somos todos escritores maus. Assassinatos de adjetivos,perseguição implacável aos lugares comuns e sangramentos solenes aos juízos de valor,são rituais que praticamos toda semana. Aprendemos com o guia-mor que a nossa matéria-prima não permite nenhuma complacência,nenhuma arrogância. A ironia, ou desconfiar das palavras,é a condição para que a língua mãe não nos aprisione em sua retórica de dicionário. Não se pode acreditar nas palavras,nem nas metáforas médicas e esportivas que fazem sucesso na modernidade.
Não queremos ensinar nada.
Só queremos nos hospedar no Hotel Trombose, comer o bife do nosso chapeiro,usar o filtro solar da mãe e aproveitar as entradas do silvia-ballet para assistir o quebra-cocos, porque ninguém é de ferro. Puxar as orelhas da Patética da Silva que insiste em dizer que foi amante do bispo do Rosário e aconselhar a todos o manual de sobrevivência para peruas pobres e ricas.
Sem mais, estou indo embora e vou logo avisando,entre duas orelhas, existem várias cabeças,muitas maldades e muitas delicadezas. Tem coisas que não se diz com palavras, mas é preciso agradecer e reverenciar aquele que, puta que pariu, é o responsável por estas mal traçadas linhas. Eita....Marcelino Freire. Perplexa Serena

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

livro

Este texto,retirei da antologia Maus escritores e é a biografia de PS. Reproduzo para vocês,porque,ele poderia ser meu. Perpétua Serteza


Meu nome é Perplexa Serena,nascida carioca e perdida em São Paulo. Meu cardápio de maldades,embora seja uma escritora maldita,mal lida e praticamente desconhecida, é muito frugal. Meu grande prazer é fingir que sou surda, às vezes muda e completamente apática. Não tenho opinião formada, não acredito em opinião pública, não publico e me divirto em bancar a tonta. Tenho grande esperança que as tolices, os lugares-comuns e as tragicomédias que escrevo, se transformem, pelas mãos invisíveis do mercado, em arte. Tudo é possível, penso muito sobre isso, uma brecha no significante, uma ideologia, uma moda. Quem sabe?

sábado, 17 de outubro de 2009

Flórida ou o kitsch é o mal



SE você está inseguro,com medo de ser considerado cafona,eis a solução:nomeie a sua casa de kitsch.Ao fazer isto se livrará de um peso na consciência.Além disso,provocará nos iniciados, aquele hum....de aprovação.A reação dos não iniciados será de inveja e terão que amargar a ignorância em silêncio.
O kitsch é mais ou menos isto.O cafona levado a sério ou o brega consciente.Os puristas negarão o kitsch até morrer, e afirmarão, citando alguém muito famoso que o kitsch é o mal.Um mal cultural e estético,de um século que perdeu a pureza e a ingenuidade da cultura popular,e não adquiriu a racionalidade e sofisticação da cultura erudita.
Se você não resiste àquela canção do Roberto,chora vendo novela e se emociona diante da luz difusa do abajour lilás,você já foi engolido pelo monstro maléfico e dele só escapará,no exato momento que descobrir que muito do kitsch nacional é importado.Acreditar no aval internacional é outra atitude brega,não acreditar também,já que não dá para negar a globalização.Assim, relaxe e goze,neste mar de coisas que vêm da China ou do Paraguai e lembre-se: nenhum objeto possui um valor absoluto,mas um valor relativo,que será dado por você,no contexto da sua casa e da sua vida.

Oriente


A seda escorrega entre os dedos e se nega a fazer a curva,desfia-se e resiste às agulhadas que vão atrás da forma. Um corpo,um copo de leite,lavoura arcaica. Tento exprimir o nada,só as formas e as cores de centenas de casulos,nós e laçadas,unindo pedaços. Singapuras(com s ou c?)Vestido oriental foi parar na parede.
Vou me afastando devagar do objeto que está a se formar. Preciso indicar continuidade,processo, inacabamento. Isso não vai terminar nunca,enquanto as mãos trabalham a cabeça se esparrama e fica permeável.Dá para ouvir o barulho das sinapses. Que nó.

Sampa

West End



Se eu soubesse o que é arte não misturaria chita com libertyJá não sou suficientemente ingênua para ser chamada de naif,nen inserida dentro de qualquer escola ou instituição,que me desse um nome.Preciso de um lugar, de um nome,

Ucrania


Tese: A arte conceitual ou o segredo da metáfora. Uma abordagem semântico- semiótica da episteme pós moderna.

Hipótese:Só vê o ovo quem o já tiver visto. Todo texto (segundo Umberto Eco) é um tratado de semiótica,ou dito de outra forma,todo texto contém em si,as regras de seu deciframento.Clarice Lispector,resumiu com poesia, no título acima citado, em negrito e itálico,o espírito da coisa: a coisa só existe,depois de nomeada.Agora eu puxo uma nota de rodapé e tento enfiar o meu palito no bolo dos outros.

Rodapé: foi um sonho.Não sei se por efeito de drogas, ou se meu inconsciente está mais relaxado (ou colonizado) e deixou passar muitos detalhes,sutilezas surpreendentes.Foi assim que entendi a arte conceitual.

Instalação: arranha céu na avenida Paulista(altura média),heliporto,uma escada de trocar lâmpadas e ovos, centenas de ovos.Eu estava em cima da escada,tentando equilibrar um ovo na mão.Aí começou o desfile laudatório: motoboys in Black,recepcionistas de saltos altíssimos,putas do baixo Augusta,travecos da USP,o pessoal da cracolandia,médicos do HC,bancários, banqueiros,cabeleireiros,passantes e sobreviventes.Todos ali para reverenciar a mulher que montou a instalação-perfomace e segurava um ovo na mão.Assim que chegaram os fotógrafos e a televisão,os ovos começaram a ser atirados na minha intrépida figura, amarrada em uma túnica laranja budista.Todos esperavam a grande revelação da mulher que tinha descoberto o segredo da metáfora.

Digressão:antes da revelação eco-mística e da transcendência imanente de todo o ovo, antes de ser frito,atendendo ao meu discreto sinal,alguém puxa a escada. Me vi voando e enxerguei meu corpo no asfalto em decúbito dorsal. The end. Acordo, preciso fazer xixi,volto para cama,fecho os olhos e ainda me vejo mortinha da silva,com um sorriso idiota no canto da boca.

Revelação: levanto faminta. Faço uma omelete e como com garfo e faca a minha alucinação.Estou feliz porque fui coerente. A única maneira de revelar o segredo da língua e os mecanismos da metáfora é a morte.O zero de significado. O nada, o vazio sublime de cada palavra desnudada de significados,de místicas, imagens clichês e preconceitos. A pretensão conceitual da arte contemporânea só se realiza se o autor morrer. Morri antes de me tornar cínica e acreditar que uma escada é uma escada e uma rosa é uma rosa.

Conclusão: Sem dúvida, o que aconteceu ontem à noite na avenida Paulista,coloca o nosso país em outro patamar no mundo da arte contemporânea. As fotos e vídeos da instalação,assim como pedaços do manto da artista já valem fortunas. Recolheram-se os órgãos para doação ( exigência da artista). O resto das vísceras e alguns membros serão exibidos (no formol) em importantes museus.

Investigação: a polícia está até hoje atrás de um tal de Wittgenstein. Dizem que foi ele que puxou a escada.

Cidade Maravilhosa



Lugar de papel

Do papelão ondulado,corto o quadrado perfeito.Preciso da geometria para controlar a enxurrada de sensações,conter a água que me afoga e hidrata .Só mato a sede mergulhando no líquido, só a geometria me contém, na curva e nos cortes que insistem em sagrar. A cor disfarça a melancolia,convoca a infância,orna a trilha que sobe o morro e desce para o mar. Geografias,memórias tortas que se ajustam ao pedaço, ao fragmento deste discurso amoroso. O corte cirúrgico é mais preciso que o corte epistemológico. Não consigo enxergar a minha cidade. Lugar de papel, embalado para presente.

shopping-center ou intestinos





Shopping-Center ou intestinos

Pintar com pano, deslizar a fita como em um bordado, ponto cheio. Encher o espaço,esconder a estrutura, cobrir a superfície. Para que? Nada,nada,nada,nada.Alguém sabe da dor de preencher espaços,esconder o vazio dessa multidão que passeia por mim, desses corredores iluminados, dessas vitrines de aço escovado, a luz chapada,sem sombra, sem mistérios.

Labirintos racionalizados, pasteurizados,informatizados.Sanitários assépticos,privadas inteligentes com censor de merda.Pode confiar,suas vísceras agradecem,suas mãos estão livres e limpas. Pura escatologia.

Nordestes


Índias Ocidentais



19. ícones ou acidentes geográficos

Da série ícones, publico agora algumas fotos de painéis produzidos por mim, quando ainda não existia o discurso sobre reciclagem.Todos os painéis foram construídos com resíduos industriais, embalagens,tecidos,papéis etc..Podem ser chamados de Acidentes Geográficos,que têm a ver com viagens reais ou imaginárias e todo choque cultural diante da alteridade.Estão em busca de uma atmosfera, de uma cor, memórias e sentimentos, perdidos no caminho.Viajar é exilar-se. Mesmo nas viagens que faço dentro do meu quarto,preciso me proteger com o maior número de palavras possíveis.Elas são a escada que conduz e o colchão que acolhe, na queda ou no sonho.




Fotos de Lia Monica

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

18 icones


Alice, não enxergas,não vês o óbvio,na luz filtrada pelas nuvens? (desculpe mas não resisti a segunda pessoa, o tratamento tu é tão solene e põe você mais longe de mim. Claro, claro,depende da prosódia, da prosa, de Vasco da Gama e outros times de football. Se não vestes a camisa estás nua.De peitos caídos, pescoço arqueado, quase um círculo perfeito,prestes a romper com o tênue equilíbrio. Por isso não saio do círculo vicioso. O movimento é sutil, qualquer coisa se parte. Então vá embora criatura sem rosto,desordem que ordena,gramática sem sujeito,sem predicados.O círculo pode ser uma espiral flexível movida pelos ventos das palavras.Cadê a sua língua?

Quem precisa de língua é você.Eu me basto com as imagens.Aliás o mundo já está dispensado as palavras escritas e faladas. Os ícones,os gráficos,os desenhos, cada vez adquirem mais autonomia.As roupas,as casas,os carros,geladeiras e TVs, já falam mais e melhor dos e aos cidadãos.Não há escapatória,fique feliz se conseguir respirar neste imaginário dantesco. É a vitória da barbárie asséptica, fascista,inodora e a cores. Bem vinda ao deserto do real.Todos serão surdos e mudos.

Essa é boa.Uma modificação genética de caráter internacional, uma espécie de uma nova globalização funcional? Imagino que todos terão olhos de gavião ou seremos radares ambulantes. Todos wire less o tempo todo.Foi esta a liberdade que conseguimos?

E você queria mais? Ser mais abjeto.Mereces o castigo dos crentes,dos orixás e todos os deuses .Ouvirás música ambiente para todo e sempre. Aleluia.

17.buda


De nada adianta o baixo calão.Minha vida intestina não está comprometida com orifícios e ligações diretas com a natureza.Sou um ser artificial, embalsamado. A alienação faz parte da fauna.. Os monstros ctonicos reservam para si o melhor dos banquetes. No mundo das imagens, se vê tudo a olho nu, menos os vírus. Bactérias somos nós, imunes às penicilinas, espalhando moléstias pelos aeroportos. Privadas inteligentes e aquecidas nos livram de todo mal, amém.

Posso, muito bem, dar descarga e empurrar você esgoto abaixo.Pensa que o silêncio que envolveu o planeta é suficiente para abafar minha voz? Privados de música, sem poesia, ainda assim estarei lá.Espreitando a promiscuidade, o absurdo, o deserto. Minhas mãos já não suportam tanto sabão.Acho que vou cortá-las.Todas as maçanetas,botões e comandos estão infectados. Antes de ligar a TV,me visto completamente. Neste mundo sem palavras, as imagens vêem tudo.Ah.....coloquei um Buda sobre a televisão. Fico assustada,você saiu do seu canto, só para me perturbar. Volte para sua toca e não me amole. Merda, dá um tempo,não quero mais ouvir sua voz.

Idiota, sabes muito bem que não tenho nem boca,nem olhos,coração e cu. Uso os teus. Não adianta ficar se escondendo atrás dos pronomes.Não tenho nome, já fui Patética, Perpétua, Penélope. Agora pode me chamar de Alice.


v

16 polvo (reproduzo as críticas que recebi e o meu diálogo com anônima )


Você jamais conseguirá.Não importa o que, onde , nem quando.Vê se entende porra. Qualidade de vida é o caralho. Não há um nicho de mercado para pessoas assim.

Assim como?

Medianas, medíocres, medrosas. Ficam sempre no meio do caminho. Deixam se arrastar pela história dos outros. Não têm estilo porque carecem de ousadia. Você é um caso clássico. Uma patologia confirmada e publicada em revistas especializadas respeitáveis.Pesquisas comprovam que noventa por cento da humanidade é composta de analfabetos funcionais (retirando a África) Ou outros dez por cento são analfabetos de pai e mãe. Você não se submete a nenhuma categoria. Não funciona. Parece que não tem pai nem mãe. Informe, disforme. Sem classificação, classe social, ideologia. Que diabo de ser é esse ? Maleável e escorregadio como um polvo e rígido como uma pedra?

Um polvo agarrado a um penhasco.Me diga será que essa imagem é um clichê?

Depende do penhasco. Da fraga tenebrosa. Garganta do demônio fumando Marlboro.Pare de fugir para terra de ninguém. Hoje você não me escapa. Faço você engolir um polvo inteiro in su própria tinta. Não pense que vai me levar com esse discurso apócrifo-relativista-metafísico.

Não quero levá-la para lugar nenhum, esta é a questão. Se existisse um lugar, eu ia correr no parque.Vá a merda.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

15.liturgia ou mistérios gozosos



Sessenta homens cantando em latim:

omnis
mundi creatura
Ereis sacerdos
in aeternum......
Speculum mundi
Splendor mirabilis
Cum venarabilis
Coitus malancolae
In nomine patris et filiae.........

Êxtases místicos
Função penitencial
Calafrio metafísico
ou
Ajoelhou tem que rezar.

14.retratos


Recebi uma mensagem de Penélope Simpática (mineira 39anos) residente em Parelheiros na grande São Paulo. Contou-me que não possui computador e que escreve no ônibus todos os dias, nas idas e nas voltas do trabalho na Praça da Sé. Sua inspiração são as passageiras.Pediu-me que publicasse.PS

Fátima. Fazia tricô,fazia crochê, bordava,costurava e não dava ponto sem nó. Um dia furou o dedo com a agulha e bebeu o sangue que escorria. Continuou a costurar e a furar os dedos para chupar o próprio sangue. Só assim o trabalho rendia.

Gilda. Cabia a ela as tarefas mais penosas do dia.Procurar a felicidade na imagem ideal. Medidas, padrões,tabelas. Se repetir cem vezes um mesmo movimento,ele se tornará automático e a manterá sempre em movimento.É preciso manter os músculos aquecidos, o coração batendo, a panturrilha dura ,as pernas flexíveis e os nervos à flor da pele . Era assim que corria nos parques e praias da vida.Até ser engolida por um tsunami, o movimento em si.

Clarice Que mistérios tem Clarice? Coleciona baratas. As guarda sobre um painel forrado de espelho, para que (as)possa olhar por baixo.Todos os dias ao chegar do trabalho, corre para ver a coleção. Cada inseto tem nome, lugar e ordem no espaço. Tudo ali segue uma classificação rígida, que só ela é capaz de entender. Claro enigma. No mais, Clarice almoça, janta e cumpre seus deveres. Mas, jamais toque nas baratas que o espelho lasca.

Dora. Ela foi agredida,humilhada e mutilada.Mas, persiste, insiste e repete sempre as mesmas coisas. Foi a maneira que encontrou de projetar sua imagem no filme que faz de si mesma. Um filme bonito em preto e branco,cheio de sombras e contrastes sutis. O realismo é cinza, o modernismo é branco e Dora é negra.Não vê as outras cores por coerência total com a estética e a ética que a leva a repetição.Seu mundo,além de silencioso é granulado de cinzas e off whites. Certo dia um ponto vermelho apareceu no canto esquerdo. Foi quando ela menstruou e morreu.

Esmeralda Não tinha olhos verdes. Mas essa era a sua cor preferida.Vestido verde alface,sapato verde abacate,bolsa verde bandeira,meias verde limão.Insistia na cor da esperança e da ecologia.Todos já a conheciam de longe.Lá vem a mulher de verde. Percebeu que em um mundo de cegos era preciso criar uma identidade forte,capaz de desfazer as ambigüidades.O que não viu,foi que aos poucos todos estavam verdejantes.Sua cor virou praga e símbolo.Esmeralda era daltônica.

13 concha


Do mar trouxe uma concha imensa.Era só colocar no ouvido e escutar o rumor das ondas. Depois de algum tempo se começa a sentir o cheiro da maresia. Com um pouco de esforço, pode-se até ,se afogar no mar de memórias, que pelos tímpanos, invade o corpo seco e infla a pele,exatamente ,como o náufrago de camiseta listrada. Azul e branco.
A concha jaz incólume no centro da mesa. Alguns a olham estarrecidos ou fingem não enxergá-la. Objeto de mau gosto,obsceno e totalmente deslocado.A muito aprendi que a forma não segue a função,mergulhei no universo kitsch e catei o lixo ocidental feito na China. É essa a minha arte,efêmera e metafísica. Meu bestiário é movido pela contradição. Sem ambigüidade não há arte nem beleza. É preciso ser muito macho para expor objetos tão naifs e pretender a transcendência. Eu sou.

12. barquinho

Sobrevivi . Quase um século de existência, morando de frente para o mar.Da minha casa avistava os navios entrando na baía de Guanabara. Lá vem um barquinho carregado de: gente, projetos,bananas, as bagas do Ceilão. Até hoje não entendo as bagas, as fragas e o cheiro da fábrica de sardinha.
Um dia vi um corpo imenso de um homem boiando no mar.Usava uma camiseta listrada de azul e branco e parecia uma balão inflável .Perguntei quem era e me responderam, não é ninguém. Ninguém ? São os outros ou somos nós para os outros?
Lá vai o barquinho,la nave va e que medo de morrer afogada. Não morri afogada no oceano Atlântico, não morri de morte matada,mas sonhava toda noite com o náufrago. O mar batia sem dó na porta da minha casa e ia me afogando ao poucos,me marcando com salitre e maresia. Era preciso poetizar o mar e transformá-lo em deserto. Ancoro meu barquinho na estante da sala e deixo que a poeira faça seu trabalho.
Preferi o deserto ao canto das sereias e cardumes prateados. O mundo é um deserto cheio de formigas,baratas e outras pestes. Agora, diante do monitor de plasma sinto a aridez do mundo virtual. Perdida nos HTMLS da vida, busco o interlocutor que compartilhe comigo essa visão desértica e deixo o vento me conduzir pelo meio das coisas, que precisam de nomes. Começo a nomear e classificar os objetos que me cercam.

11.. espelhos





Penso, vivemos no deserto da incomunicabilidade por excesso de informação e especialização. Parece que existe um espelho em cada monitor e uma incapacidade de olhar para fora. Digito, deleto,salvo.Salve-se quem puder.Mergulho de cabeça nos blogs e procuro, incessantemente,pessoas que compartilhem comigo um singelo pixel.
Não tenho nada para fazer marketing da minha pessoa.. Já apelei para o grotesco,o hilário e o escatológico. Já pousei nua,já expus minhas rugas,verrugas e outros pontos cardeais. Me olho no espelho veneziano esperando que a pompa bizantina revele sinais desconhecidos.
Talvez a ruga vertical, que cava uma fenda na face,dividindo-a em dois hemisférios, me sirva de marca.Marca da contradição que me divide em orientes e ocidentes. Cartografia que exibe sem pudor as linhas do tempo e a memória do não. Não pode,não combina,não existe,não sinta, não arrote,não respire. Sobreviva.