quinta-feira, 1 de outubro de 2009

14.retratos


Recebi uma mensagem de Penélope Simpática (mineira 39anos) residente em Parelheiros na grande São Paulo. Contou-me que não possui computador e que escreve no ônibus todos os dias, nas idas e nas voltas do trabalho na Praça da Sé. Sua inspiração são as passageiras.Pediu-me que publicasse.PS

Fátima. Fazia tricô,fazia crochê, bordava,costurava e não dava ponto sem nó. Um dia furou o dedo com a agulha e bebeu o sangue que escorria. Continuou a costurar e a furar os dedos para chupar o próprio sangue. Só assim o trabalho rendia.

Gilda. Cabia a ela as tarefas mais penosas do dia.Procurar a felicidade na imagem ideal. Medidas, padrões,tabelas. Se repetir cem vezes um mesmo movimento,ele se tornará automático e a manterá sempre em movimento.É preciso manter os músculos aquecidos, o coração batendo, a panturrilha dura ,as pernas flexíveis e os nervos à flor da pele . Era assim que corria nos parques e praias da vida.Até ser engolida por um tsunami, o movimento em si.

Clarice Que mistérios tem Clarice? Coleciona baratas. As guarda sobre um painel forrado de espelho, para que (as)possa olhar por baixo.Todos os dias ao chegar do trabalho, corre para ver a coleção. Cada inseto tem nome, lugar e ordem no espaço. Tudo ali segue uma classificação rígida, que só ela é capaz de entender. Claro enigma. No mais, Clarice almoça, janta e cumpre seus deveres. Mas, jamais toque nas baratas que o espelho lasca.

Dora. Ela foi agredida,humilhada e mutilada.Mas, persiste, insiste e repete sempre as mesmas coisas. Foi a maneira que encontrou de projetar sua imagem no filme que faz de si mesma. Um filme bonito em preto e branco,cheio de sombras e contrastes sutis. O realismo é cinza, o modernismo é branco e Dora é negra.Não vê as outras cores por coerência total com a estética e a ética que a leva a repetição.Seu mundo,além de silencioso é granulado de cinzas e off whites. Certo dia um ponto vermelho apareceu no canto esquerdo. Foi quando ela menstruou e morreu.

Esmeralda Não tinha olhos verdes. Mas essa era a sua cor preferida.Vestido verde alface,sapato verde abacate,bolsa verde bandeira,meias verde limão.Insistia na cor da esperança e da ecologia.Todos já a conheciam de longe.Lá vem a mulher de verde. Percebeu que em um mundo de cegos era preciso criar uma identidade forte,capaz de desfazer as ambigüidades.O que não viu,foi que aos poucos todos estavam verdejantes.Sua cor virou praga e símbolo.Esmeralda era daltônica.

4 comentários:

  1. Meu nome é Pensativa Incauta, mas às vezes me chamam Impensada Atônita, tal a mistura de temas e assuntos que faço a cada momento. Lendo seu blog pensei que você poderia ser a pessoa talhada para me renomear e, o melhor, reinventar minha história. Este primeiro comentário é um pedido e uma pergunta: posso esperar sua ajuda?

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  2. Insisto: se seu negócio é o lugar comum, os clichês, e eu me sinto assim, anódina, por que você não me auto-ajuda? Você aí com tantas palavras e eu sem nome, vagando por turbilhões de ideias compactadas, ou talvez zipadas para ficar mais internética, sem saber em que gramática aportar ou suportar? Estou no aguardo, certa de sua clemência e generosidade.

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  3. Anônimo ou Pensativa Incauta,sinto desapontá-la,mas meu vocabulário secou e minha narrativa perdeu o fio da meada ou do sapato. Meus pés estão inchados de tanto dar voltas pelo labirinto das palavras e só encontro clichês inaproveitáveis,sem ironias.Metáforas médicas,arrogâncias acadêmicas e total falta de delicadeza.Prometo voltar ao assunto. De qualquer forma agradeço a atenção e acho que você não é uma Pensativa Incauta.Incautos são os idiotas esclarecidos,os imbecis ilustrados e os intelectuais paranóicos e especializados.

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  4. nem perplexa nem serena, voce sempre arrasa... beijo, Lia

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